sábado, 3 de janeiro de 2009

«A Loja dos Suicídios», de Jean Teulé


«A sua vida foi um fracasso? Connosco a sua morte será um sucesso!»
Casa Tuvache, há 10 gerações no suicídio


É este o slogan da Loja dos Suicídios, dos Tuvache, habitantes da Cidade das Religiões Esquecidas. A história passa-se num século indeterminado, mas em que as guitarras eléctricas são descritas como instrumentos musicais antigos, do século XXI e as compras são pagas em euros-ienes.
Lucrécia e Mishima, o casal Tuvache, tem três filhos, todos eles com nomes de suicidas famosos: Vincent (de Van Gogh), Marilyn (Monroe) e Alan (Turing), o mais novo, o raio de sol que se atreve a nascer e a revolucionar toda a filosofia negra da loja. Alan é o filho que os Tuvache não desejam, pelo seu optimismo e simpatia. Onde já se viu um bebé que tem o desplante de se rir numa loja onde as pessoas vão comprar material para se suicidar? Nenhum dos membros desta família alguma vez esboçou sequer um sorriso e, quando Alan resolve contrariar tal facto, atribuem o esgar infantil a cólicas.
Nesta loja é possível encontrar de tudo: desde cordas de cânhamo para enforcamentos, lâminas afiadas para cortar os pulsos, pistolas descartáveis só com uma bala, espadas de shaolin para cometer seppuku (e não hara kiri, como corrige o Sr. Tuvache), diversos tipos de veneno e até máscaras mortíferas.
A mãe Tuvache lê à noite aos filhos histórias sobre suicídios de personagens históricas , como Cleópatra, para os adormecer. Até a discoteca da Cidade das Religiões Esquecidas tem o nome de um suicida: Kurt Cobain. Quando, antes de adormecer, Marilyn pede à mãe para, quando for mais crescida, ir dançar para lá, a resposta da mãe é: «Mas claro que não. Como é que te passa pela cabeça que os homens queiram dançar com uma gorda como tu? Vá, bons pesadelos, sempre será mais inteligente.»
Apesar da indiferença a que é votado, Alan adora os pais e exaspera-os com os seus «Bons sonhos, mamã e papá!» antes de ir dormir, adora a irmã, que apesar da baixíssima auto-estima que possui considera a rapariga mais bonita que existe e idolatra o irmão, Vincent, um artista anoréctico ultra-deprimido, que usa ligaduras na cabeça, qual Frankenstein, para minorar as fortes cefaleias que sente e cujos dotes artísticos consistem em criar máscaras aterradoras e parques temáticos suicidas.
Quando Marilyn faz 18 anos e se transforma numa bela mulher, a prenda de maioridade dos pais é uma injecção de veneno que, após administrada, e apesar de não a afectar pessoalmente, transforma os seus beijos em armas mortíferas ("Death Kiss"), para que quem a beije caia morto no chão. Mas as coisas não correm bem como o previsto e a menina Tuvache apaixona-se mesmo, e, muito apropriadamente, pelo guarda do cemitério, Ernest.
A felicidade e o optimismo constantes de Alan são uma ameaça ao negócio de família dos Tuvache que, a dada altura e já de cabeça perdida em relação ao que fazer àquele miúdo rebelde que insistia em espalhar alegria por onde passava, resolvem mandá-lo para uma escola kamikaze no Mónaco, para fazer um estágio de comandos suicidas, ao que Alan responde:
«No Mónaco? Então faz calor. Vou levar também protector solar e calção de banho para quando formos à praia...».
No entanto, durante a ausência do benjamim da família, algo muda. De repente, toda a família lhe sente a falta e anseia pelo seu regresso, o que acaba por acontecer não muito depois, visto que Alan é, obviamente, expulso da escola por fazer os colegas rir.
Torna-se um extraordinário vendedor, mas, em vez de dar às pessoas corda para se enforcarem (literalmente falando), dá-lhes esperança. Ora vejamos o que diz a uma cliente desesperada:
«-Os meus colegas acham-me estúpida.
«-É porque não tem confiança em si mesma. Ora isso torna-nos desajeitados, faz-nos dizer coisas a despropósito. Mas se aprender a captar o reflexo desta máscara e a gostar dele... Olhe para ela, esta pessoa diante de si. Olhe bem. Não tenha vergonha dela. Se a encontrasse na rua, teria vontade de a matar? Que lhe fez ela para a odiar assim? Tem culpa de quê? Porque é que não gostariam dela? Basta que tenha a menina amizade por esta mulher para que os outros venham a seguir.»
E é assim que esta Loja dos Suicídios deixa de ter por fornecedor A Morte Não Me Lixa para passar a ser abastecida pela Rebentar a Rir, o que deixa o Sr. Mishima mortificado, passe a expressão.
O final é surpreendente, ainda assim, mas, verdade seja dita, a missão é inteiramente cumprida. Recomendadíssimo, se quiserem dar um chega pra lá em dias menos bons. E que melhor início para 2009?

(«A Loja dos Suicídios», T.O.: «Le Magasin des Suicides», Jean Teulé, Guerra e Paz Editores, 2008)

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