segunda-feira, 27 de setembro de 2010

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Festival Rock en Seine, Paris, 28 e 29 de Agosto de 2010


A encerrar a época de festivais, resolvi terminar da melhor forma possível e abalar rumo a França para assistir àquele que foi, para mim, o cartaz do ano.
O Rock en Seine teve lugar nos passados dias 27, 28 e 29 de Agosto, mas, por achar o cartaz de dia 27 demasiado fraco, resolvi aproveitar esse dia para ir visitar a cidade de Paris e optei por só assistir ao festival nos dias em que realmente valia a pena. O recinto do festival localiza-se no Domaine National de Saint-Cloud, o mais belo recinto de festival que alguma vez vi em qualquer país por onde tenha passado (tem inclusivé uma cascata, iluminada à noite e estátuas pelo recinto). Trata-se de um parque absolutamente gigantesco, todo relvado e plano (logo, sem os habituais problemas de poeira que afectam a grande maioria dos festivais portugueses), onde se andavam quilómetros desde a entrada até aos três palcos que o compunham, o que, para quem tinha torcido o pé a andar nos Champs Élysées no dia anterior, como me aconteceu, se tornou bastante doloroso e cansativo. A distância algo exagerada entre os palcos tornava completamente impossível a sobreposição de sons, algo que acontece várias vezes no Alive ou Sudoeste, só para citar dois exemplos.
Outra diferença em relação aos festivais portugueses (e até espanhóis) é que as portas do recinto abriam às 13h ou 14h e os concertos tinham início logo às 14:30 ou 15h, dependendo do dia. Muito cedo, para quem, como eu, está habituada a concertos a começar às 17h ou 18h, na melhor das hipóteses.
Achei graça às bancas de merchandising do festival, que vendiam umas coloridas galochas com a insígnia do Rock en Seine. Apesar do sol inicial, cedo lhes percebi a utilidade e me arrependi de não ter comprado umas. É que, se num minuto fazia sol e calor, meia hora depois desatava a chover como se não houvesse amanhã. Senti-me em Paredes de Coura, quase. Abençoado impermeável que resolvi levar just in case. Foi a minha sorte!
No dia 28, o palco Scène de la Cascade (o palco secundário, por assim dizer) abriu com os Chew Lips. Em seguida, Plan B (ou Benjamin Drew), um cantor/rapper inglês que desconhecia até então, por não ser este o meu estilo de música. Tiro-lhe, no entanto, o meu chapéu. Não só deu para perceber que tem muitos fãs franceses, o que não surpreende, já que é o estilo musical que mais vende por terras gaulesas, como deu um espectáculo irrepreensível, cujo início com uma espécie de beatbox humana, a interpretar hits de música de dança dos anos 90 em medley, me fez rir bastante. Quanto mais não fosse por isso, já teria sido interessante. Chegava a altura de ir ao palco «terciário», o Scène de l'Industrie, ver um pouco dos Viva and the Diva. Regresso, de seguida, ao palco secundário para ver um dos hypes do momento, os Two Door Cinema Club. Francamente, não os achei nada por aí além, mas a verdade é que o público estava a vibrar e muito. Por ali fui ficando, basicamente a fazer horas até ao concerto de Queens of the Stone Age. Depois de coxear os quilómetros que me separavam do palco secundário até ao principal, ou Grande Scène, assisti ainda a parte do concerto de Paolo Nutini (!), que tocou antes dos QOTSA: não perguntem, a coerência disto é de rir à gargalhada. Duas gratas surpresas, ainda assim: o senhor Nutini é um pedaço de mau caminho, muito apelativo visualmente, há que dizer, e o facto de, a meio do concerto, ter feito uma muito bem conseguida versão em registo semi-crooner de "Time to Pretend", uma das melhores canções dos MGMT. Fê-lo ganhar muitos pontos e, quiçá, novos fãs, que não senhoras de meia-idade.
Em seguida, entram em palco os Queens of the Stone Age. "Nicotine, Valium, Vicodine, marijuana, ecstasy and alcohol", foram as primeiras palavras deste fim de tarde e os primeiros mosh e crowdsurfings do dia a surgirem em grande força. Alguém me dissera antes que os franceses eram um público apático e frio. A sério? Onde? A Cruz Vermelha presente no recinto não deve partilhar da mesma opinião.
A "Feel Good Hit of the Summer" seguiu-se "The Lost Art of Keeping a Secret", que muito feliz me deixou, uma vez que de todas as vezes que vi QOTSA até hoje (e já foram muitas) nunca tinha tido a sorte de a ver incluída no alinhamento. Boa estreia!
Seguiu-se a tríade "Era Vulgaris", com "3's & 7's", "Sick Sick Sick" e "Misfit Love", que é e será das músicas mais inspiradas de Homme e C.ª. Regresso a "Rated R" com "Monsters in the Parasol" e mais uma tríade, mas desta vez de "Lullabies to Paralyze": "Burn the Witch", Long Slow Goodbye" e "Little Sister". Novo regresso a "Rated R", pela mão de "I Think I lost my Headache" e para terminar, uma visita às inevitáveis "Go with the Flow", "No One Knows" e "A Song for the Dead", do ainda mais inevitável "Songs for the Deaf". Contas finais: energia a rodos, concentrada numa curta hora de concerto, mas, no Rock en Seine não há direito a encores, até porque à meia-noite já o festival estava quase acabado.
No final do concerto de Queens of the Stone Age, havia que voltar ao palco secundário, para assistir ao concerto de LCD Soundsystem. O alinhamento foi muito semelhante ao do Alive, como podem constatar: "Us vs Them", "Drunk Girls", "Get Innocuous", "Daft Punk is playing at my House", "All My Friends", "I Can Change", "Tribulations", "Movement" e "Yeah". Para encerrar a actuação, James Murphy resolveu brindar-nos com o belíssimo "New York I love you, but you're bringing me down". Eis se não quando, no final da música, resolve fazer um medley com "Empire State of Mind", de Jay-Z e com a ajuda de um elemento feminino da banda a fazer as vozes de Alicia Keys. O momento-chunga mais divertido da noite, sem dúvida!
No final, mais um regresso ao palco principal para ver os Massive Attack. "United Snakes", "Babel" (com Martina Topley-Bird em palco), "Risingson", "Girl I love you", "Invade me", "Mezzanine", "Teardrop", "Angel" e "Inertia Creeps". Durante este tema, passavam nos ecrãs mensagens anti-Sarkozy, sobre a recente polémica da expulsão dos ciganos romenos de França. Marcou-me sobremaneira a frase "Les roms sont des marionettes, mais pas si nettes", cujo mordaz trocadilho envolvendo a eventual falta de asseio do povo em causa não provocou, no entanto, qualquer reacção no público. Toda esta informação foi recebida com uma frieza só explicada pelo costumeiro chauvinismo empedernido que, infelizmente, está associado ao povo francês, o que não se compreende muito bem no caso de Sarkozy, tendo em conta que, ele próprio, é de origem húngara.
A "Inertia Creeps" seguiu-se "Splitting the Atom", "Safe from Harm" e "Atlas Air".
Para mim era o final da noite, ainda que os 2 Many DJ's começassem na altura a sua actuação no palco secundário, que encerraria o cartaz desse dia, mas as dores no pé não me deixaram assistir a este concerto, o que lamento. Regresso forçado ao hotel, que remédio.
Acrescento ainda que, nesse dia, passaram pelos diversos palcos do festival K'naan, Stereophonics, Jónsi (dos Sigur Ros), Quadricolor, Naive New Beaters, Jello Biafra and the Guantamo School of Medicine, Naive New Beaters e Martina Topley-Bird a solo, em substituição dos Où est le Swimmingpool, cujo vocalista se suicidou há semanas atrás no Pukkelpop.
No domingo, dia 29, não saí do palco principal, com alguma pena, mas o cartaz não deixou. Havia bandas interessantes a ver, mas as sobreposições horárias não ajudavam, pelo que tive de optar pelo que entendi ser mais importante.
A tarde começou ao som dos The Temper Trap, que já tinha visto o ano passado em Paredes de Coura. Seguiram-se os Eels, de Mr. E, embora numa roupagem que não lhes adivinhava. Mal a banda entrou em palco pensei estar, de repente, num concerto dos ZZ Top. A cerradíssima e longa barba de Mr. E. e o lenço/espécie de turbante que trazia na cabeça, roçavam o al-Qaediano. Todos os elementos que o acompanhavam tinham, igualmente, longas barbas e o registo meio-Beach Boys em que actuaram pouco se aproximou dos Eels que conheço e aprecio desde o delico-esquizóide "Beautiful Freak", dos meus tempos de adolescência. Parecia estarmos na presença de uma banda completamente diferente, a que não é alheia a inclusão de diversas versões no alinhamento. "She Said Yeah" (dos Rolling Stones), "Summer in the City" (dos Lovin' Spoonful, provavelmente mais conhecida na versão de Joe Cocker) ou "Summertime", de George Gershwin, foram as versões tocadas pela banda, que só conseguiu momentos mais altos quando interpretou "Mr. E's Beautiful Blues" (numa versão praticamente irreconhecível, em muito devedora da sonoridade dos Beach Boys, mais uma vez)ou "Souljacker part I". A bem da paciência de todos, digamos que espero que o concerto de dia 19 de Setembro no Coliseu seja diferente (para melhor, entenda-se).
Beirut foram os senhores que ocuparam o palco depois dos Eels. Concerto muito agradável, este, a cortar com o disparate que tinha sido a semi-desilusão do dos Eels. Os êxitos estavam lá em barda: "Nantes", "Elephant Gun", "Postcards from Italy", "Cherbourg" ou "Sunday Smile". Muito interessante.
No fim do concerto de Beirut tive de ser assistida pela Cruz Vermelha, pois já mal conseguia andar. As dores no pé não me deixaram assistir às duas primeiras músicas e meia dos The Ting Tings, que tive de ouvir na tenda médica. Perdi "We Walk", "Great DJ" e parte de "Fruit Machine", mas ainda pude ver "Keep your head", "Be the one", "We Started Nothing" (com parte de "Psycho Killer", dos Talking Heads a ser tocado), "Hands", "Shut Up and Let me Go", "Impacilla Carpisung" e "That's Not my Name". Antes da música final, mais um medley humorístico com "Walk this way", dos Aerosmith e a música do genérico do filme "Ghostbusters".
E, a encerrar o festival, os cabeças de cartaz da noite: Arcade Fire. Poucas maneiras seriam melhores para dar início à actuação dos canadianos do que, precisamente, com "Ready to Start", do último álbum, "The Suburbs". Seguiram-se "Keep the Car Running", "Neighbourhood # 2 (Laika)", "No Cars Go" e a interpretação emocionada e patriota de "Haiti", por Régine Chassagne. No final da música, cantada pela mulher, Win Butler arriscou um discurso em que dizia que o governo francês tinha uma enorme dívida com o Haiti. Mais uma vez, tal como já tinha acontecido no dia anterior durante o concerto dos Massive Attack, tais palavras caíram em orelhas moucas e a indiferença foi geral.
"Modern Man", "Rococo" e "The Suburbs" fizeram parte da sequência posterior, até Zach Condon, dos Beirut, entrar em palco para dar uma mãozinha (e fôlego no trompete) na interpretação de "Ocean of Noise", não sem antes sair de palco debaixo de enormes aplausos e elogios de Butler, amigo e apreciador dos Beirut.
Chovia torrencialmente durante quase toda a actuação dos Arcade Fire. Mesmo assim, a banda arriscou tocar "Intervention" e "We Used to Wait", mesmo a dar o mote aos minutos de espera que houve necessidade de fazer, para aguardar que a chuva passasse e a actuação pudesse ser retomada, embora os ecrãs laterais do palco tivessem sido já baixados, face à intempérie. Como isso não aconteceu, e para não defraudar o público, os Arcade Fire, obrigados a sair de palco sob risco de sofrer alguma electrocucção, já que todos os instrumentos estavam cobertos de água, voltaram ao palco para uma versão acústica inédita de "Wake Up". Faltavam ainda cerca de 10 minutos para o concerto acabar, mas, por motivos de segurança, não lhes foi permitido continuar com as canções que faltavam. De louvar a atitude da banda, em ter regressado ao palco, mesmo contra o que seria sensato. E é por isso que, apesar deste desaire, o concerto deles fica na história como um dos melhores de todo o festival. Só não entendi o mosh e crowdsurfing durante a actuação da banda, mas enfim. Francesices, com certeza...
Passaram pelos outros palcos, neste dia, Wallis Bird, The Black Angels, Wayne Beckford, Fat Freddy's Drop, Roxy Music, Success, I am un Chien!!, Rox, Wave Machines e Crystal Castles.

Pontos positivos: O recinto, como já referi, lindíssimo. As barraquinhas de comida, que abundavam por todo o lado, com uma escolha que nunca vi em lado nenhum: havia comida de todo o mundo (libanesa, crioula, marroquina, espanhola, japonesa, italiana, um nunca mais acabar de variedades). Era possível comer uma paella de faca e garfo ou sushi com pauzinhos, enquanto se descansavam as pernas nas mesas dos restaurantes do festival ou, até, sentar numa carpete marroquina com uma mesa rasteira para apreciar um chá de menta.
O cartaz e o preço dos bilhetes, €45 por dia, o que, quando se está num sítio destes, numa das cidades mais caras da Europa, e se tem a oportunidade de ver Queens of the Stone Age, Arcade Fire, Massive Attack, LCD Soundsystem, Beirut, The Ting Tings, Eeels and so on, tudo no mesmo cartaz, parece-me muito em conta. Sobretudo se tivermos em consideração, por exemplo, os preços dos bilhetes diários do Rock in Rio (€58) ou do Alive (€50), com cartazes bem mais fracos e menos condições que o Rock en Seine. Quem diz que os festivais em Portugal são baratos é porque nunca foi a este.

Pontos negativos: Só me ocorre um: as casas de banho ecológicas. Havia vários tipos de WC. As normais "dixies" festivaleiras, de plástico, e umas muito originais, chamadas "toilettes sèches", feitas em lona (a sério!), que, tal como o nome indica, não tinham água, mas, ao invés disso, tinham baldes de serradura para despejar na sanita. Ou então, havia ainda as casas-de-banho pelas quais se acedia por uma escadaria alta e que eram feitas em cartão. Consistiam basicamente num buraco no chão, tapado pelos referidos cartões. Mais uma vez, francesices.
Ecologia? Com certeza, meus amigos, mas não vamos exagerar! Aguinha é bom e dá muito jeito, sim?

Voltar ao Rock en Seine está nos meus planos futuros, sem qualquer espécie de dúvida, mesmo que, para meu infortúnio, este tenha sido o festival da coxa.
À bientôt, mes amis!