sábado, 15 de novembro de 2008

«A Turma»

François bebe o café de um trago e dirige-se para a sala de aula. É o primeiro dia de aulas no Liceu Dolto, um estabelecimento de ensino multiétnico no 20º quarteirão de Paris. François e os colegas que com ele partilham a acanhada sala de professores do liceu dão indicações aos novatos e trocam informações sobre quem são os alunos mais e menos problemáticos das turmas que vão leccionar. Acabou-se o sossego, pensarão.
François é François Bégaudau, ex-professor, ex-futebolista, ex-rocker, jornalista, comentador televisivo e crítico de cinema, aqui convertido em actor para representar o seu próprio papel, ele que escreveu «Entre les Murs» há dois anos e fez estalar a polémica na nação francesa, com base na sua própria experiência enquanto professor de Francês.
«Entre le Murs» foi traduzido entre nós como «A Turma», mas poderia tê-lo sido literalmente como «Entre quatro paredes», porque é afinal sobre isso que se falará em seguida: as vidas de professores e alunos obrigados a permanecer juntos fechados entre quatro paredes durante várias horas por dia. É importante referir que todos os alunos e professores são-no de facto e nem sequer foram alterados os seus nomes verdadeiros. Igualmente os pais dos alunos são os seus pais verdadeiros. O casting foi feito num liceu real parisiense e dos 50 alunos que se inscreveram nas aulas de representação restaram os cerca de 25 que compõem a turma retratada.
Dar aulas a uma turma do 9º ano é, por si só, uma experiência suficientemente traumatizante (a idade do armário está aqui no seu auge, é altura de começar a definir gostos e personalidades, de optar entre a evidenciação e a anulação), agora imagine-se numa escola com dezenas de nacionalidades diferentes em permanente conflito. E é esta escolha entre evidenciação e anulação que nos faz identificar imediatamente com o filme de Laurent Cantet, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes deste ano. Talvez nas escolas secundárias por onde passámos o conflito racial não fosse tão evidente, pelo facto de as comunidades emigrantes em Portugal terem uma dimensão bastante reduzida se comparadas com a França, mas, cores de pele à parte, as "growing pains" adolescentes são comuns a todas as nacionalidades e não há como fugir-lhes.
François tenta captar a atenção dos alunos pondo-se no mesmo nível deles, escolhendo livros com que estes se identifiquem (neste caso, o »Diário de Anne Frank») e tentando interessá-los por conjugações verbais que, «nem a minha avó usa», afirma a dada altura uma das alunas.
E se, por um lado, isso é positivo porque há uma tentativa de aceitação mútua entre as partes há, por outro, o risco de essa suposta aceitabilidade se converter em confiança excessiva e resultar, como resulta, em comportamentos ofensivos face à figura de autoridade que François representa. A acusação de homossexualidade de que acaba por ser absurdamente alvo por parte de Souleymane, o mais problemático aluno desta turma é apenas mais um dos indícios de que a história deste aluno originário do Mali não pode acabar bem. Ao invés do confronto directo, o professor prefere o debate de ideias sobre a homossexualidade, mantendo o sangue-frio. Mas até o calmo, ponderado e iluminado professor tem o seu momento de fraqueza e, ao utilizar a palavra «pétasse» (galdéria) para se referir ao comportamento inaceitável da delegada e sub-delegadas desta turma, a desbocada Esmeralda (de origem magrebina) e Louise, numa reunião de atribuição de notas com os outros professores, incorre no erro que que sempre quis evitar. Ser professor é isto, é evitar as armadilhas, é ser pai durante algumas horas por dia, mas é também perder momentaneamente a paciência, tal como qualquer pai que, de cabeça quente, resolve dar uma palmada ao filho irrequieto. Souleymane salta (supostamente) em defesa das colegas, profere impropérios ao professor, é expulso da sala, atinge uma colega na cara com uma mochila, deixando-a a sangrar do sobrolho e vai a conselho diciplinar passados alguns dias.
No entanto, nem todos os alunos são desordeiros. Há Wei, o menino chinês muito falador que revela fortes capacidades e uma inteligência apenas abafadas pelo ainda imperfeito domínio da língua francesa. Afinal os seus próprios pais não falam uma única palavra de Francês. É comovente a cena em que todos os professores se juntam e reúnem dinheiro para evitar que a mãe de Wei seja deportada para a China por estar, como tantos outros emigrantes, ilegal em França.
Há também Thouba, a menina afro-francesa que no ano anterior era uma das melhores alunas de François, mas que, neste ano, resolve rebelar-se e deixar de lhe falar por entender que o professor «tem algo contra ela».
Nem a presença da vasta comunidade portuguesa em França é esquecida no filme, com um aluno a ostentar várias vezes durante as aulas a camisola da selecção nacional.
Mostra-se um professor com um ataque de nervos antes de ir dar aulas, convencido de que nada há a fazer porque os alunos não querem aprender, uma professora que acaba de descobrir que está grávida e festeja a boa-nova com os colegas, mostram-se as conversas entre professores, partilham-se experiências, o que torna este «A Turma» um filme mais realista do que «Mentes Perigosas», por exemplo, ou, pelo menos, um filme com que nos identificamos mais do que este clássico norte-americano interpretado por Michelle Pffeifer.
O filme termina com a já esperada decisão do conselho disciplinar de Souleymane, que comparece com a mãe (que não fala uma única palavra de Francês) e paira no ar a ameaça do pai do aluno o reenviar para o Mali, caso seja expulso do liceu.
O «Y» compara o filme de Cantet a um constante jogo de ténis entre professor e alunos, em que a bola é constantemente arremessada de um lado para o outro e é-o, na realidade. No entanto, na cena final joga-se não ténis mas uma partida de futebol entre todos os alunos e professores à mistura: não se percebe quem joga contra quem nem quem é que equipa, nem isso importa, sequer. Não há uma única palavra, apenas sorrisos e um momento de genuína diversão. Afinal ser professor também é isto, partilhar um sorriso cúmplice num bom momento.

«A Turma» está em exibição em Lisboa nos cinemas Londres, UCI no El Corte Inglés e nas Amoreiras.
O Livro, «Entre les Murs», da autoria de François Bégaudau, igualmente actor principal e autor do argumento está à venda na cadeia francesa do costume, tanto na versão portuguesa como francesa.

sábado, 8 de novembro de 2008

Peter Murphy@Coliseu dos Recreios, 01/11/2008
















E o que fazer no Dia de Todos os Santos? Ir ver Peter Murphy, pois então.
O ex-líder dos Bauhaus tomou de assalto o Coliseu em noite de finados para dar um dos concertos mais electrizantes que alguma vez vi. Os 51 anos de idade deste verdadeiro cavalheiro inglês carregam mais energia e garra que muitas bandas na casa dos vinte com a mania que são muito à frente.
Educadíssimo, muito comunicativo e profissional, Mr. Murphy deu um concerto de mais de duas horas, com direito a três encores e de uma entrega como há poucos. À parte dos «olás» e «obrigados» costumeiros, brindou-nos ainda com elogios ao belíssimo edifício que é o do Coliseu e às calorosas recepções de que é alvo no nosso país. Estava em casa, sentia-se no ar. E nós também.
O alinhamento incluiu "Marlene Dietrich's Favorite Poem", "A Strange Kind of Love", a inevitável "Cuts you Up", "All night long", "Deep Ocean Vast Sea", "Huuvola", clássicos dos Bauhaus, como "She's In Parties", "Bela Lugosi's Dead", "Black Stone Heart" e algumas versões de David Bowie, incluindo "Starman". Mas os verdadeiros momentos da noite, para mim, foram "I'll fall with your knife", de uma beleza devastadora, um dos melhores temas algumas vez gravados por Murphy, daquelas canções que ficariam a matar na banda-sonora de um casamento para pessoas que ainda se dão ao trabalho de fazer semelhante disparate e a versão mais do que inspirada de "Hurt" dos Nine Inch Nails, com coreografia a condizer, cantada no topo de uma cadeira de metal com degraus até ao tecto. "This is an English fado", disse após cantar "Hurt". E porque não?
Lamenta-se a não inclusão no alinhamento de "The Scarlett Thing in You", "Roll Call", "Hit Song" ou "Final Solution", mas numa carreira que já atravessa três décadas não era fácil seleccionar os temas a compor o alinhamento, suponho.
Ele correu, atirou-se ao chão, dançou, esvoaçou pelo palco sem parar durante todo o concerto, com um fulgor impensável e, importante reter, sem por isso dar origem a qualquer falha de voz. Impecável.
Pelo meio tivemos direito ao single de apresentação do próximo álbum a sair em breve: "Velocity Burns", percebi eu, não sei se bem. Quando questionado por um membro do público sobre o título do álbum que se encontra a gravar respondeu que não iria revelar para já. Está a gravá-lo a expensas próprias (influências de Trent Reznor?) e, até ver, fica tudo no segredo dos deuses. Pela música apresentada, se é que isso pode ser representativo do que quer que seja, parece ser um álbum com o pé no acelerador, passe o trocadilho óbvio. Good...
«Hei-de voltar», prometeu. E nós também.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

YES, HE COULD!



"Hello, Chicago.

If there is anyone out there who still doubts that America is a place where all things are possible, who still wonders if the dream of our founders is alive in our time, who still questions the power of our democracy, tonight is your answer.
It's the answer told by lines that stretched around schools and churches in numbers this nation has never seen, by people who waited three hours and four hours, many for the first time in their lives, because they believed that this time must be different, that their voices could be that difference.
It's the answer spoken by young and old, rich and poor, Democrat and Republican, black, white, Hispanic, Asian, Native American, gay, straight, disabled and not disabled. Americans who sent a message to the world that we have never been just a collection of individuals or a collection of red states and blue states.
We are, and always will be, the United States of America.
It's the answer that led those who've been told for so long by so many to be cynical and fearful and doubtful about what we can achieve to put their hands on the arc of history and bend it once more toward the hope of a better day.
It's been a long time coming, but tonight, because of what we did on this date in this election at this defining moment change has come to America.
A little bit earlier this evening, I received an extraordinarily gracious call from Sen. McCain.
Sen. McCain fought long and hard in this campaign. And he's fought even longer and harder for the country that he loves. He has endured sacrifices for America that most of us cannot begin to imagine. We are better off for the service rendered by this brave and selfless leader.
I congratulate him; I congratulate Gov. Palin for all that they've achieved. And I look forward to working with them to renew this nation's promise in the months ahead.
I want to thank my partner in this journey, a man who campaigned from his heart, and spoke for the men and women he grew up with on the streets of Scranton and rode with on the train home to Delaware, the vice president-elect of the United States, Joe Biden.
And I would not be standing here tonight without the unyielding support of my best friend for the last 16 years the rock of our family, the love of my life, the nation's next first lady Michelle Obama.
Sasha and Malia I love you both more than you can imagine. And you have earned the new puppy that's coming with us to the new White House.
And while she's no longer with us, I know my grandmother's watching, along with the family that made me who I am. I miss them tonight. I know that my debt to them is beyond measure.
To my sister Maya, my sister Alma, all my other brothers and sisters, thank you so much for all the support that you've given me. I am grateful to them.
And to my campaign manager, David Plouffe, the unsung hero of this campaign, who built the best -- the best political campaign, I think, in the history of the United States of America.
To my chief strategist David Axelrod who's been a partner with me every step of the way.
To the best campaign team ever assembled in the history of politics you made this happen, and I am forever grateful for what you've sacrificed to get it done.
But above all, I will never forget who this victory truly belongs to. It belongs to you. It belongs to you.
I was never the likeliest candidate for this office. We didn't start with much money or many endorsements. Our campaign was not hatched in the halls of Washington. It began in the backyards of Des Moines and the living rooms of Concord and the front porches of Charleston. It was built by working men and women who dug into what little savings they had to give $5 and $10 and $20 to the cause.
It grew strength from the young people who rejected the myth of their generation's apathy who left their homes and their families for jobs that offered little pay and less sleep.
It drew strength from the not-so-young people who braved the bitter cold and scorching heat to knock on doors of perfect strangers, and from the millions of Americans who volunteered and organized and proved that more than two centuries later a government of the people, by the people, and for the people has not perished from the Earth.
This is your victory.
And I know you didn't do this just to win an election. And I know you didn't do it for me.
You did it because you understand the enormity of the task that lies ahead. For even as we celebrate tonight, we know the challenges that tomorrow will bring are the greatest of our lifetime -- two wars, a planet in peril, the worst financial crisis in a century.
Even as we stand here tonight, we know there are brave Americans waking up in the deserts of Iraq and the mountains of Afghanistan to risk their lives for us.
There are mothers and fathers who will lie awake after the children fall asleep and wonder how they'll make the mortgage or pay their doctors' bills or save enough for their child's college education.
There's new energy to harness, new jobs to be created, new schools to build, and threats to meet, alliances to repair.
The road ahead will be long. Our climb will be steep. We may not get there in one year or even in one term. But, America, I have never been more hopeful than I am tonight that we will get there. I promise you, we as a people will get there.
There will be setbacks and false starts. There are many who won't agree with every decision or policy I make as president. And we know the government can't solve every problem.
But I will always be honest with you about the challenges we face. I will listen to you, especially when we disagree. And, above all, I will ask you to join in the work of remaking this nation, the only way it's been done in America for 221 years -- block by block, brick by brick, calloused hand by calloused hand.
What began 21 months ago in the depths of winter cannot end on this autumn night.
This victory alone is not the change we seek. It is only the chance for us to make that change. And that cannot happen if we go back to the way things were.
It can't happen without you, without a new spirit of service, a new spirit of sacrifice.
So let us summon a new spirit of patriotism, of responsibility, where each of us resolves to pitch in and work harder and look after not only ourselves but each other.
Let us remember that, if this financial crisis taught us anything, it's that we cannot have a thriving Wall Street while Main Street suffers.
In this country, we rise or fall as one nation, as one people. Let's resist the temptation to fall back on the same partisanship and pettiness and immaturity that has poisoned our politics for so long.
Let's remember that it was a man from this state who first carried the banner of the Republican Party to the White House, a party founded on the values of self-reliance and individual liberty and national unity.
Those are values that we all share. And while the Democratic Party has won a great victory tonight, we do so with a measure of humility and determination to heal the divides that have held back our progress.
As Lincoln said to a nation far more divided than ours, we are not enemies but friends. Though passion may have strained, it must not break our bonds of affection.
And to those Americans whose support I have yet to earn, I may not have won your vote tonight, but I hear your voices. I need your help. And I will be your president, too.
And to all those watching tonight from beyond our shores, from parliaments and palaces, to those who are huddled around radios in the forgotten corners of the world, our stories are singular, but our destiny is shared, and a new dawn of American leadership is at hand.
To those -- to those who would tear the world down: We will defeat you. To those who seek peace and security: We support you. And to all those who have wondered if America's beacon still burns as bright: Tonight we proved once more that the true strength of our nation comes not from the might of our arms or the scale of our wealth, but from the enduring power of our ideals: democracy, liberty, opportunity and unyielding hope.
That's the true genius of America: that America can change. Our union can be perfected. What we've already achieved gives us hope for what we can and must achieve tomorrow.
This election had many firsts and many stories that will be told for generations. But one that's on my mind tonight's about a woman who cast her ballot in Atlanta. She's a lot like the millions of others who stood in line to make their voice heard in this election except for one thing: Ann Nixon Cooper is 106 years old.
She was born just a generation past slavery; a time when there were no cars on the road or planes in the sky; when someone like her couldn't vote for two reasons -- because she was a woman and because of the color of her skin.
And tonight, I think about all that she's seen throughout her century in America -- the heartache and the hope; the struggle and the progress; the times we were told that we can't, and the people who pressed on with that American creed: Yes we can.
At a time when women's voices were silenced and their hopes dismissed, she lived to see them stand up and speak out and reach for the ballot. Yes we can.
When there was despair in the dust bowl and depression across the land, she saw a nation conquer fear itself with a New Deal, new jobs, a new sense of common purpose. Yes we can.
When the bombs fell on our harbor and tyranny threatened the world, she was there to witness a generation rise to greatness and a democracy was saved. Yes we can.
She was there for the buses in Montgomery, the hoses in Birmingham, a bridge in Selma, and a preacher from Atlanta who told a people that "We Shall Overcome." Yes we can.
A man touched down on the moon, a wall came down in Berlin, a world was connected by our own science and imagination.
And this year, in this election, she touched her finger to a screen, and cast her vote, because after 106 years in America, through the best of times and the darkest of hours, she knows how America can change.
Yes we can.
America, we have come so far. We have seen so much. But there is so much more to do. So tonight, let us ask ourselves -- if our children should live to see the next century; if my daughters should be so lucky to live as long as Ann Nixon Cooper, what change will they see? What progress will we have made?
This is our chance to answer that call. This is our moment.
This is our time, to put our people back to work and open doors of opportunity for our kids; to restore prosperity and promote the cause of peace; to reclaim the American dream and reaffirm that fundamental truth, that, out of many, we are one; that while we breathe, we hope. And where we are met with cynicism and doubts and those who tell us that we can't, we will respond with that timeless creed that sums up the spirit of a people: Yes, we can.
Thank you. God bless you. And may God bless the United States of America."

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Metro Photo Challenge 2008 : Muitos Parabéns, Miss I Am Free...!!!




Encerrou no passado dia 28 de Outubro o Metro Photo Challenge dedicado ao tema «Selva Urbana». Dos milhares de imagens a concurso, foram escolhidas cem e nessa centena de finalistas incluem-se duas fantásticas fotografias da autoria da Miss I Am Free Because I Belong Nowhere, tiradas em duas das nossas viagens deste ano: Berlim e Barcelona (que é também o título das fotos a concurso).
E são elas as que aqui apresento neste post que é dedicado inteirinho a fazer propaganda à brilhante prestação da supra-citada menina. Façam favor de ir votar. É só fazer clique aqui:
O prémio é uma viagem para duas pessoas a Nova Iorque e €1300.
Viel glück, Miss I Am Free! Aqui o Into the Hollow está contigo!

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Weltliteratur @ Fundação Calouste Gulbenkian


A Fundação Calouste Gulbenkian tem patente desde dia 30 de Setembro e até 4 de Janeiro de 2009 a exposição "Weltliteratur - Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o Mundo!". Nela podemos encontrar textos, fotografias, documentos, quadros e vídeos (um deles de Manoel de Oliveira), sendo que estão todos interligados. O domínio pertence a Fernando Pessoa e a Luís de Camões, mas por lá passam textos de Mário de Sá-Carneiro, Teixeira de Pascoaes, Jorge de Sena (num texto deveras depreciativo sobre Camões, transformando-o no anti-herói luso, que chega a ser escatológico nos termos que utiliza), Vitorino Nemésio, Camilo Pessanha, Almada Negreiros ou Charles Baudelaire. O único quadro sobrevivente de Santa Rita Pintor (o artista ordenou que toda a sua obra fosse destruída antes de se suicidar), «A Cabeça» está também exposto na galeria de exposições temporárias da Gulbenkian, local escolhido para albergar a exposição, comissariada pelo Professor António M. Feijó, catedrático da minha Faculdade de Letras, mas de quem não fui aluna.
Diferente do habitual por ser uma exposição para ser também lida e não só vista, tornou-se ainda mais interessante porque, por um feliz acaso, tinha acabado de se iniciar uma visita guiada, o que ajudou a compreender melhor as relações entre textos, fotografias, quadros e vídeos, que, à primeira vista poderiam passar se não despercebidas, não seriam, pelo menos tão óbvias. Ainda por cima era domingo e foi totalmente grátis. Só vantagens, como se vê.
No próximo dia 22 de Novembro estará presente na Gulbenkian e a propósito desta exposição o Prémio Nobel da Literatura, V. S. Naipaul para uma conferência sobre a «literatura do mundo» (a tal «Weltliteratur», expressão de Goethe).
Se puderem e a temática vos interessar, não deixem passar a oportunidade. Foram duas horas muito bem passadas.

sábado, 1 de novembro de 2008

DocLisboa 2008


Terminou no passado fim-de-semana o DocLisboa, recheadinho quem nem um ovo de bons filmes. Infelizmente o tempo é pouco e os horários não permitiram mais do que ver dois documentários, nem tão pouco ir assistir à estreia de «A Turma», de longe o filme de maior sucesso que por lá passou. A longa-metragem do francês Laurent Cantet («Entre Les Murs», no original), venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, é candidata ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e estreou esta semana nas salas portuguesas. A ver muito em breve, portanto. Amanhã, se possível.
Na impossibilidade de assistir a este (raios partam o trabalho e a vida própria, como diria alguém), virei antenas para a Culturgest e para «El Sastre» («O Alfaiate») de Óscar Perez e "All White in Barking" de Marc Isaacs. Ambos os realizadores estavam na sala e fizeram um pequeno discurso introdutório, sendo que havia debate a seguir à visualização dos filmes.
«El Sastre» é passado no bairro do Raval, na parte chunga de Barcelona (até uma cidade linda como a capital catalã tem zonas feias) e conta a história de um alfaiate paquistanês, Mohamed, um aldrabão explorador com pouco jeito para o ofício e ainda menos vontade de trabalhar e o seu escravo, Singh, um indiano explorado até ao tutano pelo patrão, que faz o trabalho todo e mal recebe por isso (ou não recebe de todo). O confronto entre os clientes invariavelmente enganados por Mohamed e este são de ir às lágrimas de tão divertidos e surreais que são.
Em seguida, "All White in Barking", que fica a dever o nome a um bairro na periferia londrina, habitado maioritariamente por imigrantes hoje em dia. O documentário, com produção da BBC, conta a história do bairro e dos seus habitantes, entrecruzando histórias cujo ponto em comum é a xenofobia, claro está.
Susan e Jeff, um casal na terceira idade vive lado a lado com imigrantes de leste e um casal de nigerianos. Não gostam dos cheiros da comida africana, acham tudo estranho e demasiado diferente, não convivem com «eles», preferiam viver «entre brancos», mas não abandonam o bairro onde nasceram e sempre viveram até porque o filho de ambos está enterrado no cemitério do bairro, vítima demasiado jovem de um cancro fulminante que o levou, deixando uma neta ao casal. No entanto, no dia em que são convidados por Dickson e a sua mulher, o tal casal nigeriano, para irem jantar lá a casa limpam os pratos e ainda pedem por mais. Afinal parece que «os outros» até são pessoas extramente acolhedoras, boas anfitriãs e respeitadoras da cultura britânica e da rainha. Trabalham, pagam impostos, são muito gratos ao governo inglês por os terem recebido e não estão a usurpar nada que não lhes pertença. E assim se destrói um preconceito (ou quase).
Depois temos Dave, um velho inglês apoiante da extrema-direita, do Partido Nacionalista Britânico, cujo ódio aos imigrantes se estranha quando vemos que uma das filhas deste se casou com um africano e tem um filho mulato, que Dave acarinha como sendo branco mas avisa que irá sofrer na escola quando crescer por causa da cor da pele e a outra filha namora com um descendente de africanos, mulato também, portanto, mas que Dave nunca notara que tinha traços «diferentes». Daltonismo, talvez? É surreal vê-lo entregar propaganda de extrema-direita ao namorado da filha, mas ainda mais surreal é este aceitá-la como normal e não se insurgir contra este acto. Dave vai mudar-se do bairro de Barking para uma zona costeira, onde não há ainda qualquer vestígio de emigração. A última pergunta que o realizador lhe faz é o que faria se algum dia também o «paraíso branco à beira-mar» onde escolheu passar o resto da velhice for ocupado por emigrantes. «Atiro-me ao mar.», é a resposta.
Monty é um emigrante polaco, judeu, sobrevivente do Holocausto, com passagem por quatro campos de concentração, que ainda hoje conserva a tatuagem no punho com o número de prisioneiro atribuído pelos nazis. Recém-viúvo, vive com Betty, uma africana a quem não chama de namorada mas enfermeira. Betty é casada e tem filhos que teve de deixar em África em busca de uma vida melhor em Londres e trata, de facto, de Monty como ninguém, mas não é uma mera enfermeira. É muito mais do que isso. «Sem ela estaria perdido», repete Monty várias vezes. Nesse ano resolve levar Betty ao jantar de sobreviventes de Auschwitz e é vítima de olhares desaprovadores de alguns e de elogios de outros. A cunhada de Monty não suporta Betty pela cor da pele desta, alguns amigos judeus de Monty também não aprovam a «enfermeira», enquanto que outros a vêem como a bela mulher que é. Fica na retina e no ouvido a resposta de um dos convivas quando questionado sobre o acto do amigo, de ter levado Betty a jantar com eles: «Se as pessoas têm problemas com isso então é problema delas e não do Monty. Não nos podemos esquecer que somos judeus e sofremos na pele a discriminação racial, por isso que sentido faz estarmos agora a fazer isso aos outros?» Haja alguém de bom senso no meio de tudo isto.
O clip do filme está na página da BBC, se quiserem ficar com um cheirinho sobre o que se fala, bem como uma entrevista ao realizador em:
Boas visualizações!

A treta fica-lhes tão bem

Zezé e Toni estão de volta. O Casino de Lisboa que se cuide!
Desempenhados há onze anos pelos actores António Feio e José Pedro Gomes, estes chicos-espertos da treta continuam levando a sua vidinha, pontapeando a língua portuguesa sem dó nem piedade, numa sequência ininterrupta de quase duas horas de disparates, em que até há lugar a momentos musicais interpretados pelos próprios actores (de salientar que António Feio se safa muitíssimo bem na guitarra).
Um multibanco sem vontade de cuspir euros (qual é mesmo o raio do código?) dá o mote para um diálogo em que não são poupados Cristiano «Donaldo» e a sua ex (?) Nereida, «Fernandes Pessoa», »Floribella Estranca», a ASAE, as operações plásticas, o "bullying" nas escolas (provocado pelos filhos de Zézé... aos professores!), as vidas a crédito sem ele («Oh Marta, procure lá bem no fundo!»), a EMEL e até um antigo sucesso de Paulo Gonzo, pervertido por estes dois machos latinos com um acentuado déficit de neurónios:

«Dei-te quatro escudos
E quatro escudos foi demais
Dei-te quatro escudos,
Passa a ganza aos teus pais.»

É o maior espectáculo à face «da crosta do planeta terráqueo». E se não for, vão vê-lo na mesma.
Muito recomendável.