sábado, 1 de novembro de 2008

DocLisboa 2008


Terminou no passado fim-de-semana o DocLisboa, recheadinho quem nem um ovo de bons filmes. Infelizmente o tempo é pouco e os horários não permitiram mais do que ver dois documentários, nem tão pouco ir assistir à estreia de «A Turma», de longe o filme de maior sucesso que por lá passou. A longa-metragem do francês Laurent Cantet («Entre Les Murs», no original), venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, é candidata ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e estreou esta semana nas salas portuguesas. A ver muito em breve, portanto. Amanhã, se possível.
Na impossibilidade de assistir a este (raios partam o trabalho e a vida própria, como diria alguém), virei antenas para a Culturgest e para «El Sastre» («O Alfaiate») de Óscar Perez e "All White in Barking" de Marc Isaacs. Ambos os realizadores estavam na sala e fizeram um pequeno discurso introdutório, sendo que havia debate a seguir à visualização dos filmes.
«El Sastre» é passado no bairro do Raval, na parte chunga de Barcelona (até uma cidade linda como a capital catalã tem zonas feias) e conta a história de um alfaiate paquistanês, Mohamed, um aldrabão explorador com pouco jeito para o ofício e ainda menos vontade de trabalhar e o seu escravo, Singh, um indiano explorado até ao tutano pelo patrão, que faz o trabalho todo e mal recebe por isso (ou não recebe de todo). O confronto entre os clientes invariavelmente enganados por Mohamed e este são de ir às lágrimas de tão divertidos e surreais que são.
Em seguida, "All White in Barking", que fica a dever o nome a um bairro na periferia londrina, habitado maioritariamente por imigrantes hoje em dia. O documentário, com produção da BBC, conta a história do bairro e dos seus habitantes, entrecruzando histórias cujo ponto em comum é a xenofobia, claro está.
Susan e Jeff, um casal na terceira idade vive lado a lado com imigrantes de leste e um casal de nigerianos. Não gostam dos cheiros da comida africana, acham tudo estranho e demasiado diferente, não convivem com «eles», preferiam viver «entre brancos», mas não abandonam o bairro onde nasceram e sempre viveram até porque o filho de ambos está enterrado no cemitério do bairro, vítima demasiado jovem de um cancro fulminante que o levou, deixando uma neta ao casal. No entanto, no dia em que são convidados por Dickson e a sua mulher, o tal casal nigeriano, para irem jantar lá a casa limpam os pratos e ainda pedem por mais. Afinal parece que «os outros» até são pessoas extramente acolhedoras, boas anfitriãs e respeitadoras da cultura britânica e da rainha. Trabalham, pagam impostos, são muito gratos ao governo inglês por os terem recebido e não estão a usurpar nada que não lhes pertença. E assim se destrói um preconceito (ou quase).
Depois temos Dave, um velho inglês apoiante da extrema-direita, do Partido Nacionalista Britânico, cujo ódio aos imigrantes se estranha quando vemos que uma das filhas deste se casou com um africano e tem um filho mulato, que Dave acarinha como sendo branco mas avisa que irá sofrer na escola quando crescer por causa da cor da pele e a outra filha namora com um descendente de africanos, mulato também, portanto, mas que Dave nunca notara que tinha traços «diferentes». Daltonismo, talvez? É surreal vê-lo entregar propaganda de extrema-direita ao namorado da filha, mas ainda mais surreal é este aceitá-la como normal e não se insurgir contra este acto. Dave vai mudar-se do bairro de Barking para uma zona costeira, onde não há ainda qualquer vestígio de emigração. A última pergunta que o realizador lhe faz é o que faria se algum dia também o «paraíso branco à beira-mar» onde escolheu passar o resto da velhice for ocupado por emigrantes. «Atiro-me ao mar.», é a resposta.
Monty é um emigrante polaco, judeu, sobrevivente do Holocausto, com passagem por quatro campos de concentração, que ainda hoje conserva a tatuagem no punho com o número de prisioneiro atribuído pelos nazis. Recém-viúvo, vive com Betty, uma africana a quem não chama de namorada mas enfermeira. Betty é casada e tem filhos que teve de deixar em África em busca de uma vida melhor em Londres e trata, de facto, de Monty como ninguém, mas não é uma mera enfermeira. É muito mais do que isso. «Sem ela estaria perdido», repete Monty várias vezes. Nesse ano resolve levar Betty ao jantar de sobreviventes de Auschwitz e é vítima de olhares desaprovadores de alguns e de elogios de outros. A cunhada de Monty não suporta Betty pela cor da pele desta, alguns amigos judeus de Monty também não aprovam a «enfermeira», enquanto que outros a vêem como a bela mulher que é. Fica na retina e no ouvido a resposta de um dos convivas quando questionado sobre o acto do amigo, de ter levado Betty a jantar com eles: «Se as pessoas têm problemas com isso então é problema delas e não do Monty. Não nos podemos esquecer que somos judeus e sofremos na pele a discriminação racial, por isso que sentido faz estarmos agora a fazer isso aos outros?» Haja alguém de bom senso no meio de tudo isto.
O clip do filme está na página da BBC, se quiserem ficar com um cheirinho sobre o que se fala, bem como uma entrevista ao realizador em:
Boas visualizações!

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