terça-feira, 16 de novembro de 2010

"The Museum of Innocence", Orhan Pamuk


Istambul, 1975

26 de Maio marca o dia mais feliz da vida de Kemal Basmaci, ainda que este ainda nao o saiba. Jovem (30 anos), rico, membro de uma das mais distintas famílias da alta sociedade turca, viajado, culto e recém-perdido de amores pela bela Füsun, parente já distante, 12 anos mais nova e, evidentemente, virgem, ou nao falássemos de um país onde mulher que nao o fosse era mulher caída em desgraca.

Problema número 1 - Kemal está noivo (e nao é de Füsun);

Problema número 2 - Kemal gosta, de facto, da noiva, Sibel, uma "socialite" com mais nome que dinheiro, recém-graduada pela Sorbonne e nao pensa, sequer, em deixá-la, preferindo uma inicial abordagem "happy go lucky" ao trio amoroso, que de "happy" acaba por ter muito pouco. Sibel, tal como Füsun, também era virgem antes de conhecer Kemal, o que é mais um motivo para a desonra.

Sibel e Kemal tem tudo para serem felizes, num mundo de elites cor-de-rosa que os apaparica e deseja ver juntos.
O que Kemal nunca imaginara é que a compra de uma simples mala de presente de noivado para Sibel, numa boutique chique de Istambul, viria a dar origem à maior tortura da sua vida.
"The Museum of Innocence", do "nobelizado" Orhan Pamuk, é, provavelmente, uma das histórias de amor/obsessao/absoluta demencia mais torturantes que alguma vez li. Sao 730 páginas de verdadeira angústia, de queda livre para o abismo, de completo desassossego que, ora a espacos nos enternecem, pela pureza de sentimentos , ora nos deixam a espumar de raiva pela ingenuidade e auto-humilhacao a que um homem doentiamente apaixonado se submete.
Kemal deixa fugir a tal "vida perfeita" por entre os dedos e embarca numa cruzada de (re)descoberta da amada, sem que nunca lhe ocorra que, na Turquia dos anos 70, mulher desonrada tem de ser casada, mesmo contra a sua vontade. Chega, portanto, tarde demais. Num abrir e fechar de olhos perde de vez a noiva, cuja relacao desgastada por demasiado desamor fica em frangalhos e perde, também, Füsun, obrigada a casar à pressa com um vizinho, para manter a honra da família.
Durante 9 eternos anos, Kemal sujeita-se às humilhacoes, caprichos e indeferenca de Füsun, ferida de morte e demasiado jovem para entender o nao-rompimento do noivado de Kemal com Sibel na hora devida.
Por Füsun, Kemal perde a noiva, os amigos, familiares, dinheiro, afunda a maior empresa da família, perde a face, arrisca a vida nas ruas de Istambul durante a guerra civil, quase perde a vida, mas perde, sobretudo, a razao.
The Museum of Innocence" é uma descida aos infernos de um homem caído em desgraca, cuja maior parte da sua vida é dedicada à mulher com quem nunca poderá estar e ao coleccionar de forma obsessiva e doentia os objectos que lhe pertenceram. Mesmo depois de uma espera de mais de nove anos, quando tudo parecia, finalmente, possível, eis que o destino fala mais alto e relembra que nunca se deve voltar ao sítio onde já se foi feliz. O despeito e a mágoa, maturados durante quase uma década, roubam a inocencia e corroem as entranhas daquilo que poderia ter sido um amor puro, mas que, por falta de "timing", se transforma numa história ácida e, evidentemente, trágica (para além de verídica, já que o próprio Pamuk aparece como personagem no livro).
Trata-se de um livro belíssimo e as mais de 700 páginas leem-se de um trago. É desesperantemente bonito, mas igualmente aterrador.
Para estomagos fortes, diria eu.

(Perdoem a falta de acentuacao, mas PCs alemaes sao assim...)

(PAMUK, Orhan, "The Museum of Innocence", transl. by Maureen Freely, Faber & Faber, London, 2009)